quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O DUENDE MALDISPOSTO


O DUENDE MALDISPOSTO

No coração da floresta vivia um duende que se distinguia entre os seus pela raridade do seu tamanho. Era um duende pequeno, mínimo, baixo, de ventre redondo e pernas finas. Era tão pequeno, tão ínfimo, tão despercebido, que podia viver espaçosamente dentro de um morango. A sua vida era doce e serena, sorvendo, entre cada sesta, o sumo açucarado e vermelho do fruto. Vivia sozinho, pois nenhum outro duende poderia partilhar com ele uma casa de tamanho tão modesto. Ainda assim, ou talvez por isso, achava na sua vida uma perfeição que se dispunha a manter lutando contra qualquer mudança que a vida trouxesse. Tudo dentro e à volta da sua casa morango estava sempre na mesma posição. E vigiava cada piar, cada rastejar, cada bater de asas, para que assim fosse. Mais do que vigiar, fazia má cara a qualquer bicho que se aproximasse ainda que viesse por bem.
Um dia, chegou uma Joaninha a voar, a sua carapaça primaveril luzindo ao sol. A Joaninha olhou para o morango e disse: “Ah, que lindo morango! É vermelho com pintas negras como a minha carapaça. É doce e tem duas janelas e uma porta.” E, dito isto, logo se pôs a bater à dita porta na esperança de encontrá-lo desabitado e de ali fazer o seu lar. Ao contrário do que esperava, porém, saiu de lá de dentro a cara má do duende:”Não quero nada, não compro nada, não vendo nada, nem preciso de ninguém”, e fechou a porta. A Joaninha sacudiu as antenas com desagrado e pôs-se a olhar à volta. Um sorriso de satisfação lhe invadiu o rosto quando reparou que mesmo por cima da casa do duende havia outro morango. Bom, talvez não tão vermelho, talvez não tão doce, sem janelas nem porta, mas que serviria perfeitamente. A Joaninha começou a trabalhar com muito afinco e foi fazendo do seu morango um lar maravilhoso, escolhendo pequenas folhas verdes para as cortinas e pétalas de flor para servirem de toldo.
Enquanto a Joaninha embelezava a casa, o duende maldisposto espiava cada um dos seus passos e, a cada voo, a cada mudança, lamentava-se inconsolavelmente: “Nunca mais nada será igual, nunca mais, nunca mais. A minha linda casa, tão sossegada, tão isolada, que infeliz que eu sou.” Por seu lado, a Joaninha, no ardor do seu trabalho, não deixava de apurar as antenas e escutar os queixumes do duende. Com boa vontade e cara alegre, deixava-lhe à porta pequenos presentes, como grãos de pólen, pevides de maçã, gotas de água. Tudo em nome do espírito de boa vizinhança. Mas a tudo isto o duende fazia cara feia e chegou mesmo a ir a casa da Joaninha para tirar satisfações. Ora, trazida pelos ventos da mudança, passou a voar uma abelha a caminho da colmeia. Vendo a Joaninha de antenas baixas e o duende com cara de poucos amigos, salvou a situação com um convite: “Sra. D. Joaninha, fique sabendo que para má vizinhança já basta a Morte. Porque não vem até à nossa colmeia que tem um favo desocupado e passa a alegrar-nos dias com as suas cores?” Convite feito, convite aceite. Levantaram voo e desapareceram no céu para alívio do duende, que satisfeito consigo próprio e com o destino entrou no seu morango e fechou a porta. A mudança é algo que vem por bem ou por mal, mas sobretudo na sua essência transformadora é o fenómeno mais certo da natureza. Ao lamber a parede da sua casa, em busca de doçura e conforto, o duende notou pela primeira vez um sabor a fel, com um qualquer tempero de podridão. A casa morango tinha começado a decompor-se. Então, soluços infelizes do duende soaram em todos cantos do bosque desatento. Ninguém, nem mesmo a Joaninha que vivia agora longe e feliz, lhe veio acalmar o choro.