quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O REI DE GAL



O REI DE GAL

Era gordo o monarca que se sentava no trono de Gal. O povo queixava-se de fome, ao que o rei respondia “É preciso comer menos para que o pouco que há chegue para todos”. Dia após dia, arredondava a barriga com tanta guloseima. O que não comia atirava aos cães, o que os cães não comessem saciava os ratos. O apetite crescia-lhe, a fome do povo crescia.
Chegou o dia em que teve uma tamanha indigestão. Quando o Doutor lhe recomendou dieta o rei proclamou: “Façamos todos dieta, comer pouco faz bem à saúde”. Decretou, ainda, que toda a comida que não conseguisse devorar fosse atirada aos chacais, às hienas, às mulas, aos burros, aos ratos, aos abutres até!, enfim, a toda a sua corte.
O bucho do rei curou-se e a tal vitória respondeu: “Curou-se o corpo, que agora se cure a alma. Afinal, a minha felicidade é reinar. Que se organize um cortejo, que se reúnam as gentes de Gal para festejar a minha saúde”.
Fez-se o cortejo, mas gentes de Gal não havia. O povo tinha morrido de fome.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

MOSCA MORTA

MOSCA MORTA


A mosca entra pela porta esquecida. Dá três voltas à sala e zumbe, encurralada. Pobre sentido de orientação, o seu. Incapaz de encontrar o caminho de volta, a mosca descansa no parapeito de uma janela. O Sol aquece-a e, apesar de ver folhas pelo ar, não sente o vento. Conforta-se por um instante, esquecendo que é prisioneira. E então, eis que se apercebe de que o que vê (o Sol, as folhas, o vento) é nada menos do que a liberdade, o exterior. A sua vista de mosca fixa-se numa flor amarela, uma simples flor amarela entre tantas outras flores amarelas. O seu desejo faz-se voo e embate contra a transparência do vidro. Tenta de novo uma, duas, três, quatro vezes, toda ela vontade e determinação. Uma voz humana abre a vidraça contra a qual lutava. “Vai, mosca, sai!”, empurra a voz que tem forma de espanador do pó. Mas a mosca não quer voar para o lado e sim em frente até à sua flor. “Não é a liberdade que queres, mosca?”, o espanador rodopia, tentando orientá-la. Mas a mosca não quer seguir a voz que a irrita e a desvia do seu desejo. Não vê que agora não mais a orienta e que se abate sobre a sua carapaça de mosca, esmagando-a contra o vidro. “Mosca burra”, diz o espanador.