quarta-feira, 18 de março de 2009

A ANDORINHA E O TEMPO

A ANDORINHA E O TEMPO

Certo dia, chegando a Primavera, duas andorinhas pousaram no telhado de um estábulo e aí fizeram o seu ninho. Dentro do ninho a Dona Andorinha depositou três ovos. De dentro dos ovos estavam quase a nascer três filhotes. A ansiedade dos futuros papás foi bem recompensada na manhã em que três pequenos bicos partiram as cascas. Os filhotes começaram logo a engordar com as minhocas deliciosas que os papás achavam e enfiavam pelas três goelas escancaradas. Já tinham penas sedosas, apropriadas ao voo rápido das andorinhas. Assim, quase sem o Senhor Tempo se aperceber, dois dos três filhotes aprenderam a voar. Saíram do ninho e dançaram no céu azul, fazendo rodopios acrobáticos. Apenas um ficou no ninho. A Dona Andorinha veio chamar uma, duas vezes. O filhote respondia, cheio de orgulho e segurança:
─ Ora, Senhora Minha Mãe, ainda as minhas penas acabaram de crescer e já me querem fora do ninho! Não sou como meus irmãos, não senhor! Uns estouvados, irresponsáveis, que ainda mal sabendo quem são, já se põem nessas correrias. Tenho tempo, e quando chegar a minha vez voarei mais alto e mais longe que todos os da minha espécie.
A Dona Andorinha não insistiu, tinha dois outros filhotes sedentos de aprender. Ainda assim, todos os dias levava ao ninho mais minhocas e insectos que qualquer outro passarinho se podia gabar de comer. Passou a Primavera, passou o Verão. Seus irmãos eram já mestres na arte da aviação. Ele, não. Pressa era palavra proibida, inimiga da perfeição. Estava-se muito bem no ninho cheiroso, a barriga cheia com a comidinha da mamã. Mas, de novo o Senhor Tempo fez das suas, e chegou o dia em que Dona Andorinha e seu marido anunciaram ser altura de viajar para África. A grande preocupação era o filhote reticente em aprender o que os seus irmãos já dominavam. O Inverno seria demasiado rigoroso para que pudessem aguentá-lo protegidos apenas pelo ninho. Porém, isso significava abandonar o terceiro filhote. Dona Andorinha teve de escolher. E escolheu. Entre salvar dois ou nenhum, não pensou muito.
─ Vamos para África onde a terra é quente e há fartura. Aqui tudo morre durante o Inverno. E tu, terceiro filhote, terás a árdua tarefa de aprender a voar sozinho e em pouco tempo. Poderás, talvez, procurar um sítio quente, e tentar sobreviver com os insectos que te caírem no bico.
O filhote empoleirou-se no topo do seu orgulho e abriu o bico para responder:
─ Vão-se embora, pais ingratos! Vão-se embora, irmãos estroinas. Hão-de ser muito felizes em África, não haja dúvida. Eu cá ficarei, e tomarei em mãos a árdua tarefa de sobreviver, já que ninguém se preocupa com isso. Não me dão nem uma pequena ajuda!
Dona Andorinha e seu marido passaram o resto do dia a encher-lhe o ninho de minhocas e insectos para que pudesse começar a vida com mais essa vantagem. No dia seguinte partiram resolutos, mas com o coração pesado. O filhote ficou no ninho, sozinho, ouvindo o muu da vaca e hi ho do burro. Começava a ter algum frio porque o Senhor Vento passava, agora, com alguma pressa. Em pouco tempo devorou toda a comida que lhe deixara a mamã. Lamentava-se para quem quisesse ouvir:
─ Ai a minha sorte! Ninguém me ajuda, a mim que não sei voar nem fui ensinado.
Ouvindo os lamentos, a vaca pôs a cabeça de fora de fora do estábulo, olhou para cima, e mugiu:
─ Deves ser tu a quem a Dona Andorinha e o seu marido levaram comida o Verão inteiro. Por que é que não aprendeste a voar como os teus irmão? Falta-te alguma asa? Não tens penas?
Também ele, o terceiro filhote, pôs a cabeça de fora e muito empertigado piou a resposta:
─ E pensas tu que aprender a voar na perfeição é coisa fácil? Ninguém me dá tempo para fazer as coisas como devem ser feitas. Nem o Senhor Tempo teve consideração por mim. Se me tivessem dado oportunidades justas, seria agora bem mais expedito que os parvos dos meus dois irmãos!
A vaca calou-se e continuou a mastigar palha. O Inverno foi longo e rigoroso como anunciara a Dona Andorinha. Mas quando chegou a Primavera brotaram flores em todos os cantos. O Sol apaziguou o seu amuo e já brilhava com o encanto de antes. A Dona Andorinha voltou de África, acompanhada pela sua família feliz. Encontraram o antigo ninho caído no chão, derrubado pelo Senhor Vento numa das suas fúrias. Quanto ao terceiro filhote, foi bem aproveitado na barriga de um gato faminto.

terça-feira, 3 de março de 2009

A ARANHA E O REI

A ARANHA E O REI

No sótão de uma casa pobre vivia uma aranha. Dia a dia remendava a sua teia, ansiosa por caçar alguma mosca. Não tinha muitos motivos de queixa, porque, de vez em quando, caía na rede um mosquito incauto, e logo havia repasto. Não obstante, a aranha lamentava-se todos os dias. Tecia sem parar, e pela carapaça negra deslizavam-lhe lágrimas amargas.
-- Ai, tanto talento desperdiçado a caçar moscas e mosquitos! Uma tecelã como eu merecia viver num palácio e tecer as roupas de um rei.
Ouvindo os seus lamentos, um mosquito que tinha ficado preso, esperando confundir a aranha e escapar com vida, resolveu zumbir:
-- Não sei a causa de tantos lamentos. O teu sonho não é assim tão difícil de realizar. Tens patas, tens saúde, e ouvi dizer que possuis, como todas as tuas irmãs, um óptimo sentido de orientação. Abandona esta casa, que de tão velha cheira a mofo, e vai até ao palácio do rei. Decerto serás bem recebida.
A aranha achou sábias as palavras que acabara de ouvir, e nesse mesmo instante resolveu pôr-se a caminho. Tinha fome e queria prevenir-se para a longa viagem, logo comeu o mosquito que em tão boa hora a aconselhara. Caminhou com as suas oito patas até à janela, teceu um fio até à rua, avançou ao longo das paredes das casas, dos muros, dos ramos das árvores, e até dos pés dos transeuntes, chegou ao palácio, subiu as escadas de mármore, atravessou os salões entre os guinchos das damas e empoleirou-se no braço do trono real. O rei, enojado, descalçou um sapato e preparava-se para a matar quando a aranha, gritando a plenos pulmões para se fazer ouvir, deteve o gesto:
-- Vossa Majestade honra-me, permitindo a minha presença diante do Vosso real nariz. Foi o desejo de vos apresentar uma proposta irrecusável que me trouxe por árduos caminhos. Se ouvirdes o que tenho a dizer, decerto que não passará pelos Vossos olhos a tristeza do arrependimento.
O rei achou graça à prosápia da aranha e dispôs-se a ouvir. E ela, esticando as patas para parecer mais alta, continuou:
-- Venho de longínquos países, de terras exóticas. Trabalhei para outros reis tão poderosos como Vossa Majestade. O meu ofício? Tecer os mais belos fios, feitos de autêntico cristal, com os quais devem ser bordadas as roupas reais. Se Vossa Majestade permitir, bordarei todo um novo guarda-roupa que fará de vós a inveja do mundo.
O rei, apesar de possuir qualidades de grande monarca, era muitas vezes picado pelo bicho da vaidade. O seu rosto desceu e subiu num longo sim e perguntou:
-- E que queres em troca?
Tão inchada de orgulho estava a aranha, que até a voz lhe tremeu:
-- Oh, Vossa Majestade! O meu trabalho será a verdadeira recompensa. Apenas peço que, de vez em quando, me arranjem um mosquito aqui, uma mosca ali, para não perder tempo a sobreviver.
-- Feito – respondeu o rei.
Toda ela, nas suas oito patas e carapaça luzidia, emanava felicidade. Dia e noite tecia fios que não eram diferentes dos que usava para apanhar moscas, e a todo o momento pedia ao rei que viesse fazer provas.
Certa noite o rei, atendendo a mais um chamado, entrou cansado do dia de trabalho e na penumbra não viu que a tecelã se empoleirara no assento de uma cadeira para melhor o receber. Soltou um suspiro e escolheu precisamente esse sítio para se sentar. Termina assim a história da aranha que por tanto querer ser uma real tecelã, acabou esmagada debaixo de um real “sim senhor”.