sexta-feira, 19 de novembro de 2010

OLHA QUEM PASSA!


Lembrando a boa tradição Portuguesa de olhar pela janela e ver quem passa. Tantas são as caras que lembro, um sol saído da escuridão das casas latinas.

sábado, 10 de abril de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A PONTE

A PONTE

Lado a lado como duas mãos do mesmo ser, o Céu e o Inferno estiveram separados por um fosso profundo desde o início dos tempos. A fim de discutir o destino das almas, o Diabo suportava o calvário a caminho dos domínios de Deus, e este submetia-se às tentações demoníacas para visitar o Inferno.
A eternidade, estendendo-se a igual distância tanto para o passado como para o futuro, começou a pesar sobre a temperança das duas divindades, o cansaço a sobrepor-se à justeza das decisões, a cedência a tomar conta do destino do Homem. Foi então que um anjo teve a ideia de construir uma ponte para que Deus e o Diabo pudessem visitar-se sem percorrer o caminho das almas. Uma ponte entre o Céu e o Inferno. Com todos os anjos trabalhando e todos os demónios tentando ao descanso, a ponte fez-se. Foi Deus quem deu o primeiro passo sobre a calçada branca com desenhos azuis representando anjos e demónios em alegre camaradagem. Do outro lado, o Diabo esperava-o sorrindo, a mão estendida. A ponte parecia servir maravilhosamente o seu propósito, mas ao fim de algum tempo os anjos que trabalhavam nos arquivos celestiais começaram a notar que no Céu se passeavam almas não registadas, bem como a ausência de outras aquando da chamada diária. Aconteceu o que de outro modo não podia. Sem portas ou portões, sem muros circundantes, as almas de ambos os lados começaram a misturar-se, o Céu e o Inferno unindo-se através da ponte divina, ou maldita. Não foi pequeno o espanto de Deus e o Diabo vendo que tudo se dava em harmonia, sem que os dois mundos parecessem contaminados. Na verdade, havia um certo espírito de felicidade, pois almas separadas pela morte encontraram-se finalmente, iniciaram-se romances, reataram-se amizades.
E veio-lhes à boca a pergunta inevitável, aquela que lhes tirava o sono à noite, que em tantos encontros ficara por pronunciar, pronta a saltar do peito a palavra dita. Que sentido há em separar as almas, uma vez que não existe mais a separação entre o Céu e o Inferno? Atrás dessa, veio logo outra pergunta, ninguém soube se foi Deus ou o Diabo a fazê-la primeiro: E se não existir clara distinção entre o Bem e o Mal? E enquanto discutiam o assunto, no meio da ponte, no território neutro que se alastrava como um líquido, viam passar as almas para quem essa distinção nunca tinha havido, viam os abraços, as promessas, os sonhos, as memórias. A vida invadia os domínios da morte, e a vida não se contém.
Nota: Num dos seus programas, José Hermano Saraiva disse mais ou menos isto: Se se contruísse uma ponte entre o Céu e o Inferno deixaria de haver Céu e deixaria de haver Inferno. Essa ideia perseguiu-me até se transformar em história. Aqui a deixo, juntamente com a minha admiração pelo Homem que me devolve o país sempre que narra Portugal.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O COELHO QUE FOI À CIDADE

O COELHO QUE FOI À CIDADE

O coelhinho queria ver a cidade. Isso de bosque, de árvores altas e frescas, flores aromáticas, cantos e recantos macios de musgo húmido, tocas aconchegantes que protegem da chuva, enfim, esse mundo que já sabia de cor o enfastiava.
As patas de trás empurravam as da frente e todo ele saltitava procurando o fim da floresta, as luzes da cidade. Ah, que imprudência, comentavam os bichos, um coelhinho assim, bem criado e mimado, a querer embrenhar-se nessa fantasia de loucos, essa selva de luzes que queimam os olhos e cegam o coração. Um sítio onde se janta lebre e se almoça perdiz não é lugar para um coelhinho bem nascido.
Mas o coelhinho não parava e viajava feliz pelo trilho do bosque, em direcção ao sol que se punha, já avistando a cidade. A certa altura, já a noite descera, deu com outro trilho, este bem largo, que cruzava o seu. Passavam por ele bichos velozes, de olhos luzidios, gatos gigantes, pensou. Havia montanhas iluminadas, e gente como já tinha visto no bosque, correndo por todo o lado. Os tais gatos gigantes não cessavam de passar e soltavam pestilências. Mas o seu narizito registava também outros cheiros, esses maravilhosos, que vinham das entradas das montanhas iluminadas e lhe acordavam a fome. Quis atravessar o trilho e investigar, isso implicava enfiar-se entre dois desses gatos gigantes que tinham pressa e corriam em rebanho. Assim fez. Um salto e… cegou por um instante. As luzes queimavam-lhe os olhos. Então, as orelhas espetaram-se contra o céu nocturno, sentou-se sobre as patas de trás e assim ficou. Houve guinchos estridentes, gatos gigantes a desviarem-se e a chocar contra sabe-se lá o quê. As gentes gritavam e gesticulavam. Um desses, dos homens aproximou-se. Xô, xô, coelhinho!, disse, que andas tu a fazer por estas bandas? Volta para o bosque antes que mais te suceda. E batia com as patas no chão, sem o pisar. O coelhinho achou aquilo muito esquisito. Deu meia volta e pôs-se a saltitar em direcção à floresta.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A BARRIGA DO PAI NATAL



Como desce o Pai Natal pela chaminé? De casa em casa, a sua barriga cresce com os doces de Natal. Cresce como um balão e fica mais pesada, ao mesmo tempo que a boca se abre num grande sorriso. Como são altas e estreitas as chaminés! Felizmente, o menino Jesus - quem mais senão ele - puxando uma corda, feita com as barbas de Deus, laça a grande barriga do Pai Natal e fá-lo descer, leve como uma estrela, até à árvore de Natal, bem junto da lareira. E, se pesado desce o Pai Natal, mais pesado sobe, ainda!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

É NATAL PARA O PAI NATAL!

É NATAL PARA O PAI NATAL!


Todas os adultos sabem que é o Pai Natal quem anualmente leva os presentes a casa dos meninos. Trabalho que muito facilita a vida dos pais, pois não têm que sucumbir à demencial azáfama das vésperas natalícias. Apenas de aguardar pela meia-noite, confortavelmente instalados, com os respectivos pequenos ao colo.

Mas certo dia de Natal, há muito tempo, todos os meninos do mundo correram o risco de não receber nem um rebuçado. E porquê? Simples. O Pai Natal caiu de cama com uma pneumonia. O primeiro espirro aconteceu durante um nevão interminável. O Inverno estava a ser muito mais frio do que o costume. Apesar de estar habituado à neve da Lapónia, o Pai Natal resolveu sair sem casaco, sem botas, e imaginem!, apenas de chinelos. As renas que puxam o trenó dos presentes estavam a ficar com as patas enterradas na neve. Em breve, todas elas estariam debaixo da espessa brancura, se não recolhessem ao estábulo:
-- Aaaaaaaaaaaatchimmmmm! – espirrou o Pai Natal – Oh, que gelo! Nunca se viu Inverno assim na Lapónia, e eu já vi muitos. Milhares deles.
-- Velho tolo! – guinchou o esquilo que vivia na árvore do quintal – Por teres passado por tantos devias saber que não se sai à rua sem casaco, sem botas, e ainda por cima de chinelos. Vais constipar-te. E depois quem é que entrega os presentes aos meninos? Toma, come uma noz. Se não fizer bem aos espirros, pelo menos deixa os dentes brancos e lustrosos.
Nada. O Pai Natal, apesar de muito sábio, deixou-se arrefecer e dois dias depois tiritava de febre na caminha de abeto que mal aguentava com o seu peso.
-- Ora, estamos no dia 2... hummmmm, não, o Sr. Pai Natal não estará curado a tempo do dia de Natal. Não senhor. Aliás, é muito pouco recomendável que se ponha para aí a andar de trenó com o frio da noite. Nem pensar nisso. Cama!
O médico foi peremptório. Mal humorado, o Pai Natal tapou a cabeça com os cobertores.
Um milagre estava próximo. Os duendes fazedores de brinquedos ouviram tudo atrás da porta. Bem se sabe que é feio escutar atrás das portas. Enfim, foi por uma boa causa. Puseram-se todos a falar muito depressa em duendês e tiveram uma ideia. Visto não ser possível entregar os presentes nesse ano, pelo menos a tempo, não seria por causa da pneumonia do Pai Natal que os meninos ficariam sem presentes.
-- Euq sodot meugep me sipál e lepap – que em duendês quer dizer: Que todos peguem em lápis e papel.
As mãos mágicas e pequeninas começaram a escrever longas cartas endereçadas às casas de todos os meninos do mundo. Apesar de serem minúsculos, os duendes sabiam todas as línguas do Homem e todas as línguas dos animais. Não era tarefa difícil.
“Este ano, o Pai Natal não poderá entregar os presentes. Apanhou uma grandessíssima pneumonia. Por essa razão, os duendes da Lapónia fazem um pedido: cada menino e cada adulto deverá fazer ou comprar uma pequena prenda. Uma só. No dia de Natal todos trocarão de prendas. É muito fácil. Quem fizer batota (esperar uma prenda sem dar nada em troca) será castigado. Fica com o nariz congelado o ano inteiro. É muito perigoso, um nariz congelado parte facilmente. Ninguém, com certeza, gostará de andar por aí sem nariz depois de ter ido contra uma porta. Com os melhores cumprimentos.
So sedneud ad Ainópal”

Nessa noite todas as renas do Pai Natal se puseram a caminho, guiadas pela sombra das cegonhas da Lapónia. Percorreram todos os países do mundo e deixaram uma carta em cada chaminé. Não se enganaram numa morada sequer! Cada pessoa pôde ler na sua língua respectiva. Todas as cabeças se puseram a imaginar presentes, de todas as mãos saíram lembranças. No dia de Natal, o Pai Natal deitou o nariz fora da janela e sentiu-se muito melhor. Qual não foi o seu espanto quando deu pela presença de um pequeno embrulho atado com azevinho:
-- Que engraçado! Tem o tamanho de uma noz...
Pegou com cuidado no cartão de letras douradas e leu com um sorriso de orelha a orelha “Para o Pai Natal, com desejos de melhoras e dentes bonitos. Feliz Natal. Esquilo”.
-- Ora essa, é a primeira vez que recebo uma prenda! Este ano, até para mim é Natal!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009